Na Zona Norte do Rio, a Kaza de cozinha afro brasileira

Foto: Kaza 123/ Instagram

Boêmia, um dos berços do samba carioca ou lugar de excelentes restaurantes e bares: essa é a face da Vila Isabel, bairro residencial da Zona Norte do Rio de Janeiro, que tem passado repleto de glórias, e onde a boêmia viu passear Noel Rosa ─ o poeta da Vila, suas poesias e canções eternas, lugar em que do samba brotou Martinho e sua querida Unidos de Vila Isabel.

Visitar a Vila de espírito libertário, é revisitar este passado pelos cantos do bairro, como a Rua 28 de setembro, conhecida como “Boulevard” e que tem na quadra da escola de samba Unidos de Vila Isabel, expoente do Carnaval carioca, um de seus endereços mais ilustres.

Aberta em 1872, por responsabilidade do empresário e abolicionista Barão de Drummond – João Batista Viana Drummond, a avenida recebeu esse nome em homenagem ao 28 de setembro de 1871, data em que foi assinada a Lei do Ventre Livre e segundo Milton Teixeira, historiador, na cidade do Rio de Janeiro foi a primeira avenida arborizada.

Música e boemia sempre estiveram presentes nessa área, eternizada nas canções de Noel Rosa, Almirante e Alvinho, frequentadores e cujas apresentações nos bares e na região da avenida, foram importantes na transformação da noite e lazer do lugar.

É nesse universo que vamos encontrar. Há cinco minutos dos bares da Vinte Oito, o Kaza 123: espaço de luta contra o racismo, da boa comida inspirada na gastronomia afro-brasileira, de moda, literatura e forte exaltação da negritude; uma casa toda colorida no número 123 da Rua Visconde de Abaetá, na Vila Isabel, que mantém viva a cultura negra no bairro que já nasceu com espírito abolicionista.

O lugar respira negritude! As referências negras nas paredes, as louças, a decoração, o chão, o cardápio, os garçons (toda a equipe do Kaza é negra!), a forma diferente de servir!

Foto: Marcos Jesus

Experiência única, deixa as diferenças tonais da pele de lado, a todos acolhendo, convidando a comungar do mesmo ambiente, como deveria ser em qualquer lugar! Há de se dizer tratar se de um espaço negro! Pensado por negros! Voltado ao povo negro! Mas que recebe e deixa à vontade toda sorte de pessoas que ali vão em busca de uma boa caipirinha, bate papo ou da resistência de um bom Angu, afinal, “só o angu salva”, conforme afirma o cardápio do Kaza.

Foto: Marcos Jesus

A impressão é de se estar na casa de alguma família negra da Vila, de tradição na reunião familiar onde a comida farta tem importante papel como elemento aglutinador de pessoas. Sente-se como se, em algum momento, das portas sairia a matriarca, com seus pratos de comida bem temperada a servir a mesa, entre o burburinho das conversas animadas da parentada no almoço de domingo!

No Kaza, que junta gastronomia, moda africana e livraria repleta de obras de temática racial à disposição para folear e levar para casa, nota-se a comida como simbologia muito forte na manutenção das raízes africanas. Não é sem motivo ser o prato principal da casa o angu, comida ancestral e servida de forma mais elaborada e diversificada no jeito e opções, reinventada que foi, seja nas opções tradicionais – à Baiana e Raíz, seja nas modernas Du Mar e Carioca Vegano. E aqui vai uma dica: permita se experimentar o UBUNTU de Angu, um menu degustação com quatro sabores à escolha do cliente. Divino!

Foto: Marcos Jesus

Em uma das paredes é possível aprender a etimologia da palavra, a origem do prato e a história das quituteiras do pós-abolição no Brasil que tinham na venda da iguaria pelas ruas do Rio, fonte de renda para o sustento da família, uma vez que às mulheres negras, já nesse período, cabia o papel principal de responsáveis pela renda da família.

Foto: daquiloquesecome.blogspot.com

Em 1827, Debret pinta o quadro QUITANDEIRA, que mostra uma cena em que as quituteiras servem, próximo ao porto do rio, o Angu – creme feito de fubá de milho.

Por muito tempo, o prato foi considerado “comida de senzala”, já que se tratava de uma papa de inhame (àgun). No Brasil, transforma se através de mudanças ao longo do tempo e passa a ser consumido por famílias pobres, não só nas favelas do Rio, mas por diversos locais de São Paulo e Bahia, por exemplo. Comum às mesas da população pobre do século XX, fácil achar exemplos de crianças que cresceram comendo angu, uma opção barata a alimentar os que não tinham, por conta de sua condição financeira, acesso a outros alimentos mais nobres.

Foto: Marcos Jesus

Uma equipe negra administra o Kaza, que já foi sede de encontro exclusivo para homens negros que se destacam no cenário nacional contrariando as estatísticas do Brasil do hiper-encarceramento da juventude negra – temos a terceira maior população carcerária do mundo, majoritariamente negra e matamos um jovem negro a cada 23 minutos ─ e que combatem o racismo no país.

Foto: Marcos Jesus

Importante dizer que a diversidade é prática comum e tônica do lugar que não despreza, tão pouco restringe a entrada de quem quer que seja, independente do tom de pele, seja branca ou não… as portas estão abertas!

Do lugar de encontro, de resistência, de troca, saberes e sabores, surgiu uma das mais reconhecidas gastronomias do Rio, e um dos melhores pratos da culinária afro-brasileira!

Viva o angu!

E viva o Kaza!

Texto: Marcos Jesus

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Artigo de

Victoria Vianna