Tebas: o escravo arquiteto que virou enredo de escola de samba

Igreja Matriz da Sé – Foto Augusto Militão de Azevedo

Joaquim Pinto de Oliveira (Tebas), nasceu em 1721 no litoral de São Paulo, sendo escravo do português Bento de Oliveira Lima, conhecido construtor da região, com quem aprendeu o ofício de pedreiro. No século XVIII, ficou conhecido por dominar a arte da cantaria ( talhar pedras em formas geométricas para construções), e criar projetos para edificações, principalmente religiosas, no centro da cidade.

Durante uma entrevista para o programa “Ensaio”, Geraldo Filme explica como foi o seu trabalho de pesquisa para realizar a composição do enredo sobre a história do negro Tebas para o carnaval de 1974 na extinta escola de samba Paulistano da Glória. Relatou que o termo “Tebas” era muito usado pelos paulistanos durante o século XX, quando se referiam a São Paulo como uma “Cidade de Tebas”, queria se dizer que era um local que se desenvolvia rapidamente, já quando o termo era direcionado para uma pessoa, significava que o indivíduo sabia fazer de “tudo um pouco”, que era “o bom” ou “o melhor”.

Curioso com essa denominação, ele decidiu pesquisar sobre a origem da palavra, e aprofundar-se no assunto. Foi procurar suas fontes através do Jornal Correio Paulistano, do Jornal italiano Fanfulla e na Cúria Metropolitana de São Paulo. Chegando à Cúria, disse que teve que se apresentar como universitário, pois caso soubessem que sua pesquisa era para criar um enredo de escola de samba, não permitiriam.

Durante o levantamento de dados, Geraldo descobriu que Tebas era um escravo que viveu em São Paulo em meados de 1700, e conhecia de tudo sobre alvenaria. E ficava todos os dia observando a igreja da Praça da Sé, fato esse que instigou a curiosidade do clérigo da catedral, que o perguntou o que fazia ali diariamente, ele então perguntou ao padre o por qual motivo a igreja não tinha torre, ele o informou que era porque eles não sabiam construir. Tebas disse que sabia fazer, curioso com o fato o sacerdote foi até a fazenda onde ele era escravo para conversar com o seu dono, lá chegando ficou fascinado com os trabalhos de alvenaria feitos por Tebas e o comprou.

Voltando para a catedral Tebas quis realizar um acordo com seu novo dono, disse-lhe que construiria as torres da igreja em troca de sua carta de alforria e que se o primeiro casamento realizado nela fosse o dele. Além da construção das torres, também construiu o chafariz da misericórdia que ia do Vale do Anhangabaú até a Praça da Sé, também realizou a canalização dos esgotos do centro da cidade.

Geraldo Filme narrou durante sua entrevista que conseguiu mapas que mostravam as feitorias de Tebas e que foi muito questionado por estudantes sobre suas fontes de pesquisa. A composição do enredo “Praça da Sé, Sua Lenda, Seu Passado, Seu Presente”, para ele foi uma forma de protesto, pois dizia que durante o aniversário da cidade de São Paulo no dia 25 de janeiro, as comemorações em torno da Praça da Sé nunca fizeram menção ao negro Tebas, o seu verdadeiro construtor.

GRES Paulistano da Glória
Enredo 1974: "Praça da Sé, Sua Lenda, Seu Passado, Seu Presente"
Compositor: Geraldo Filme
 
Profissão: Alvenaria
Construiu a velha Sé
Em troca pela carta de alforria
Trinta mil ducados que lhe deu padre Justino
Tornou seu sonho realidade
Daí surgiu a velha Sé
Que hoje é o marco zero da cidade
Exalto no cantar de minha gente
A sua lenda, seu passado, seu presente
Praça que nasceu do ideal
E braço escravo
É praça do povo
Velho relógio, encontro dos namorados
Me lembro ainda do bondinho de tostão
Engraxate batendo a lata de graxa
E camelô fazendo pregão
O tira-teima do sambista do passado
Bixiga, Barra Funda e Lavapés
O jogo da tiririca era formado
O ruim caía e o bom ficava de pé
No meu São Paulo, oi lelê, era moda
Vamos na Sé que hoje tem samba de roda

Ao analisar a letra do samba, é possível notar que Geraldo Filme busca exaltar o fato de um monumento histórico da cidade ter sido construído por um arquiteto de pele escura “Praça que nasceu do ideal e braço escravo…”. Em forma de protesto quis mostrar com sua composição o quanto história do povo preto é ocultada e acaba se tornando “esquecida” pela sociedade.

Não existe nenhum registro mostrando o rosto de Tebas, os divulgadores de sua obra costumam utilizar o quadro “Preto” de Cândido Portinari para poder representá-lo

Tebas morreu no dia 11 de janeiro de 1811, vítima de gangrena, aos 90 anos, ainda trabalhando com construções. Seu velório e o sepultamento foram realizados na Igreja de São Gonçalo, na Praça João Mendes.

Nem ele e nem Geraldo filme estavam mais nesse plano, quando somente 207 anos após seu falecimento, em 2018, ele foi reconhecido em uma cerimônia solene, oficialmente arquiteto pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo (SASP). Demorou, mas finalmente um negro que foi escravizado, após diversas provas históricas teve que ser reconhecido por construir patrimônios e deixar um legado para nossa cidade.

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Artigo de

Redação Sampa