O “mestre dos mestres”

Salve rapaziada do samba!

O personagem da coluna desta semana não está materialmente mais entre nós, mas suas marcas deixaram pegadas e com certeza estão presentes ainda nos terreiros de samba da Pauliceia que nunca podem deixar de perpetuar seus grandes baobás. E esse foi um que eu tive a honra de conhecer e conviver.

Em 1987 meu pai era ritmista do mestre no Peruche, eu com 3 para 4 anos o infernizava quando a bateria parava de tocar. Em 1998 o mestre foi para a Barroca, onde eu era ritmista e foi ele quem me deu direcionamento, me levou para gravar, fazer programa de rádio, shows, carnavais no interior e me passou a diretor da bateria mirim em 1999. Tive oportunidade de homenageá-lo em vida por duas vezes – na Barroca e no Quilombo. Estive presente em sua despedida, que foi a mais triste que já vi pela falta de consideração do samba para com um dos seus maiores mestres.

Vamos de samba…

AXÉ!!!

Mestre Thiago

Arquivo Pessoal – Mestre Lagrila à frente da bateria do Peruche junto com Glórinha em 1987 na Avenida Tiradentes 

Lagrila nasceu Laudelino, herdou o nome de seu pai, um boêmio, violonista e pé de valsa das noites da baixada santista. O samba vem de sempre, sua mãe era da ala das baianas da escola de samba Brasil de Santos. E ele sempre dizia:”Eu desfilei na Barriga da minha mãe.” Em busca de dias melhores a família migrou para São Paulo, indo morar na distante zona leste, na ainda deserta e pacata Itaquera, com suas chácaras, campos de várzea e muitas hortas. Negros e japoneses dividiam o espaço e viviam em harmonia relatava o mestre.

Lá existia uma escola de samba chamada Falcão do Morro Itaquerense, e não demorou para ir de ritmista para diretor de bateria e fazer sucesso onde o ritmo passava. Certa vez em um carnaval na Vila Esperança, aquele crioulinho baixinho chamou a atenção de Seu Nenê pela sua desenvoltura à frente da bateria. Não deu outra, em 1965 já era o Mestre Lagrila da bateria da Nenê, e sempre seguindo os ensinamentos do velho cacique mantendo o “culungundun” e a levada das caixas de guerra. Numa época em que a bateria era o referencial e decisivo nos desfiles, a Nenê desbancou a favorita e grandiosa Unidos do Peruche nos anos de 1968, 1969 e curiosamente em 1970, onde o Peruche arrastou a São João em seu desfile com o samba “Rei Café”.

Mestre Lagrila se consagrava entre os grandes diretores de bateria, o que naturalmente rendeu convites e propostas para outras escolas de samba, naquele momento de crescimento do carnaval paulistano as escolas se reforçavam principalmente as mais novas. O antigo Bloco do Peg-Pag transformado em Escola de Samba Mocidade Alegre que vinha do segundo para o primeiro grupo através de seu presidente Juarez da Cruz, não mediu esforços e levou um grande reforço para sua escola. Ali Lagrila implantou sua batida ‘tradicionalmente uma levada carioca’ de caixa que a escola nunca mudou. Fez os tamborins tocarem de maneira sequencial e fez a bateria “zigzaguear” na Avenida São João (está aí para quem acha que coreografia de bateria é coisa nova).

A Mocidade emplacou assim como a Nenê anteriormente três títulos, 71, 72 e 73 já com sua quadra na Avenida Casa Verde de pé, e sem dúvida nenhuma além das alegorias e adereços de mão, a bateria também foi um diferencial da Morada do Samba. Houve uma especulação pela sua volta para a Nenê, até mesmo uma ida para a rival Peruche, pois Gilberto Bonga havia ido para a recém fundada Rosas de Ouro. Mas Seu Inocêncio Tobias que não era bobo, e assim como Juarez havia passado de Cordão para escola recente. Na Barra Funda a batucada ainda tinha algumas marcas do cordão e com o novo regulamento era necessário mudar. Mestre Lagrila então migra para o Camisa Verde e Branco, onde então coloca mais leveza na bateria, transfere os tamborins para traz, deixando assim a parte pesada da bateria à sua frente.

Nesse período o Camisa assim como a Mocidade tinham suas quadras como referências de eventos sambísticos. Almir Guineto, é um exemplo de sambista que originalmente quando veio do Rio se instalou no Camisa e junto com Tobias, Lagrila e outros bambas animavam os ensaios da Barra Funda. Não deu outra, Lagrila pé quente sagrou-se tetra campeão de 74 até 77 e por pouco em 78 não repetiu a dose. Em 1979 deu Camisa Verde novamente, na qual a bateria fez uma apresentação exemplar com breques e desenhos em cima da melodia do samba “Almondegas de Ouro”.

Em 1981 o mestre transferiu-se para a Rosas de Ouro, ainda na Vila Brasilândia, e retornou para a Nenê de Vila Matilde em 1983 protagonizando um momento histórico. Seu sucessor Divino ficou à frente da bateria do Camisa e ele retornava a Nenê e frente a frente na Tiradentes as duas baterias promoveram um bonito duelo rítmico na concentração. Já em 1984 Mestre Lagrila a convite do presidente Walter Guariglio muda-se para a Unidos do Peruche, onde fica até o carnaval de 1987. Nesse ano o Peruche através do Mestre Lagrila é convidada para participar do “Troféu Quartel General de Bamba” na quadra da Mangueira e foi ali que a bateria do Peruche ganhou o nome de “Bateria Grau 10”. Nesse período já havia ajudado a erguer a Leandro de Itaquera, jovem escola que vinha crescendo nos grupos de baixo, em 1988 comandou a bateria da Flor de Vila Dalila.

No ano de 1989 com a chegada da Leandro de Itaquera entre as grandes escolas, ele e Eliana de Lima foram os grandes reforços da escola que se firmou no grupo especial na época. Em 1993 promoveu o acesso da Unidos de São Miguel também da zona Leste e em 1994 no grupo especial foi o mestre de bateria da escola, retornando no ano seguinte para a Leandro. Em 1999 venceu a primeira edição do “Troféu Nota 10” pela Leandro de Itaquera. No ano seguinte dedicou-se só a Barroca no grupo de acesso, sendo nota 30 comandando a bateria ao lado de Mestre Bagulé, que havia sido seu ritmista no Camisa Verde. De lá pra cá ainda comandou algumas escolas da UESP. Foi diretor de carnaval do Flor de Liz quando era bloco, da Águia de Ouro, da Nenê de Vila Matilde e por último no Brinco da Marquesa.

Mestre Lagrila ganhou vários troféus como “Apito de Ouro” em várias ocasiões, foi o segundo Cidadão do Samba de São Paulo depois de Osvaldinho da Cuíca. Produziu inúmeras gravações de sambas enredo, assinou diversos, e foi autor de muitos enredos de várias escolas de samba. No período em que estava à frente de grandes baterias também ajudava escolas do acesso, passou também pela Imperador do Ipiranga, Acadêmicos do Tatuapé, Morro da Casa Verde, Tom Maior, X-9, Acadêmicos do Ipiranga, entre outras… Ainda fundou o Bloco Imperiais Unidos que fez grandes carnavais na UESP.

Teve a honra e o prazer de conhecer Mestre Valdomiro da Mangueira, Mestre André da Padre Miguel e Mestre Marçal da Portela – esses a qual considerava os melhores. Por sua mão passaram vários ritmistas, e alguns se consagraram depois como diretores de bateria que podemos aqui citar:

  • Nenê – Divino / Albano / Claudemir / Pascoal / Pelegrino / Dartagnan/ Mi;
  • Mocidade Alegre – Neno / Kit / Ipujucan / Coelho/ Chaleira / Hugo Santana;
  • Camisa Verde – Telha / Rubinho / Bagulé ;
  • Peruche – Maguí / Calutti;
  • Leandro – Dinei / Dirceu / Kincas / Pelé

Além do mais revelou grandes talentos dentro de uma escola de samba e podemos destacar aqui o compositor Mauro Pirata. Foi sob seu comando que em uma visita de Mestre Marçal na Barra Funda que a bateria ganhou o apelido de “Furiosa”. Brigava muito pelo samba como cultura, pelos baluartes e suas raízes. Membro da Embaixada do Samba, ele dividia opiniões e apesar da baixa estatura e da fala mansa era objetivo em seus dizeres. Entre várias gravações fez”A Fantástica Bateria do Mestre Lagrila”. Seus herdeiros são Lagrilinha, Fernando e Ana Carolina todos estão no samba, já seus grandes amigos eram Mestre Feijoada e Mestre Tadeu.

O mestre partiu no final de 2009, após ser atropelado e infelizmente não resistir. Seu enterro foi marcado pela tamanha ausência das escolas de samba e autoridades do carnaval de São Paulo. No cemitério da Cachoeirinha contei no máximo 30 pessoas entre alguns sambistas como Robson de Oliveira, Penteado, Landão da Nenê, Candinho, Dona Maria Helena e Dicá que levemente cantarolava  “Morreu malvadeza durão”, um samba de Grande Otelo.

Essa é uma pequena resenha, numa grande história de um grande homem, que era muito questionado por sua prepotência, mas se olharmos sua trajetória vitoriosa e sua contribuição ao samba paulistano, era de se compreender tamanha experiência e conhecimento.

Fica aqui aos dirigentes do samba paulistano que o BOX aonde a bateria entra na passarela para a escola passar, poderia ter o nome do maior mestre de bateria do carnaval de São Paulo de todos os tempos.

“SAMBISTA DE RUA MORRE SEM GLÓRIA, DEPOIS DE TANTA ALEGRIA QUE ELE NOS DEU … ASSIM, O FATO SE REPETE DE NOVO, SAMBISTA DE RUA ARTISTA DO POVO, QUE FOI MAIS UM, QUE FOI SEM DIZER ADEUS …”

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Thiago Praxedes